O boxe é um esporte de combate caracterizado por ações musculares de alta intensidade que exigem tanto capacidade aeróbica quanto anaeróbica, além de habilidade técnica considerável. Neste artigo, exploraremos os aspectos nutricionais fundamentais para boxeadores, combinando conhecimentos científicos com a experiência prática de um dos maiores treinadores do mundo.
A Base Fisiológica do Boxe
O sistema energético do boxe contribui para a capacidade dos atletas de repetir ataques com força e velocidade máximas durante toda a luta. Estudos recentes indicam que o metabolismo aeróbico garante o processo de recuperação durante os breves períodos de descanso, especialmente a recuperação do sistema de fosfato de alta energia entre os rounds. Complementarmente, a via metabólica anaeróbica fornece energia para ataques curtos e intensos de potência máxima.
O boxe é disputado tanto em competições amadoras quanto profissionais, sendo os Jogos Olímpicos o ápice do boxe amador. As lutas consistem em três rounds de 3 minutos para homens e quatro rounds de 2 minutos para mulheres, com 1 minuto de descanso entre os rounds. No boxe profissional, o formato pode incluir até 10 ou mais rounds.
Categorias de Peso e os Desafios da “Batida do Peso”

Uma característica fundamental da competição de boxe é o agrupamento de atletas em divisões de peso, numa tentativa de criar um campo de jogo nivelado. Para garantir que os atletas “bateram o peso”, pesagens oficiais são realizadas antes da competição – geralmente na manhã da competição no boxe amador, ou no dia anterior no boxe profissional.
É comum que boxeadores tentem perder peso para competir em uma divisão mais leve. Além da perda de peso a longo prazo, alguns atletas se envolvem em práticas de perda de peso extremamente rápidas nas horas e dias anteriores à pesagem, como desidratação extrema, que podem alterar negativamente o desempenho e afetar tanto a saúde quanto o resultado da competição.

A Perspectiva de Freddie Roach sobre Nutrição e Controle de Peso
Freddie Roach, considerado um dos treinadores mais respeitados no boxe mundial (eleito Treinador do Ano pela Associação de Escritores de Boxe da América em 2003, 2006 e 2007), compartilhou em uma entrevista para o livro “Martial Arts Nutrition: A Precision Guide to Fueling Your Fighting Edge” de Teri Tom sua experiência com diversos campeões mundiais.
Segundo Roach, o boxe ainda está “na Idade das Trevas” quando se trata de nutrição esportiva em comparação com outros esportes. Ele esclarece que, diferentemente de outros esportes de contato como o futebol americano, no boxe a intenção é atingir o corpo e a cabeça do adversário, o que torna certas práticas nutricionais potencialmente desconfortáveis para alguns lutadores.
Sobre a individualidade na preparação, Roach destaca: “Não há uma fórmula única que funcione para todos. Cada lutador é um indivíduo e é assim que realmente temos que tratá-los.” Ele cita o exemplo de dois campeões que treinou simultaneamente: Eu costumava tentar desenvolver a fórmula perfeita para preparar um lutador para uma luta de título mundial. Tive tanto Virgil Hill quanto Marlon Starling no mesmo campo de treinamento—ambos lutando em shows separados, no entanto. Uma luta de título meio-médio para Marlon e uma luta de título meio-pesado para Virgil. Eu anotei o que eles faziam todos os dias e o contraste era tão grande que simplesmente não funcionava. Virgil precisava correr 16 km por dia. Marlon precisava correr uma hora por dia—não tão rápido quanto Virgil, no entanto. Um cara precisava disso. O outro cara precisava daquilo.
Não há um programa definido. É como dia a dia, basicamente, dependendo de como eles se sentem, do que precisam fazer, quando pressioná-los. Ou talvez um dia, com a luta se aproximando, você precise recuá-los um pouco. Não podemos tratar todos da mesma forma porque algumas pessoas respondem às coisas de maneiras diferentes.(obs: São esses detalhes que diferencia um treinador profissional de um treinador comum, o primeiro tenta individualizar e adaptar tudo para maximizar o potencial do atleta, o outro trata todos da mesma maneira para economizar esforços).
Quanto ao controle de peso, Roach admite: “A maioria dos lutadores atinge o peso no último dia. É assim que funciona.” Embora ele prefira que seus atletas atinjam o peso ideal 3 ou 4 dias antes da luta, reconhece que isso raramente acontece – até mesmo quando ele próprio era lutador.
Estratégias Nutricionais para Boxeadores

Para se beneficiar ao máximo das sessões de treinamento, os boxeadores precisam garantir alimentação e hidratação adequadas:
- Ingestão de frutas e vegetais: Fornecem vitaminas e minerais necessários para prevenir doenças e promover boa saúde e recuperação.
- Carboidratos: Consumir quantidades adequadas, particularmente antes e depois das sessões de treinamento, para fornecer energia e promover recuperação.
- Proteínas de alto valor biológico: Recomenda-se a ingestão de proteínas com alto valor biológico (VB) e fontes com alta Pontuação de Aminoácidos Corrigida pela Digestibilidade de Proteínas (PDCAAS) para facilitar a recuperação e o crescimento muscular.
A Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (ISSN) sugere ingestões proteicas de 1,4-2,0 g/kg/dia para indivíduos fisicamente ativos. Para carboidratos, a ênfase deve ser na maximização do armazenamento antes do treinamento e competição, e na reposição após o exercício.
Refeições pré-luta e rituais
Roach compartilha uma perspectiva interessante sobre refeições antes da luta. Enquanto atletas modernos focam em carboidratos, quando ele lutava, a tradição era comer um bife na noite anterior. “Isso era o que se comia quando eu lutava! E eu lutava bem. Eu estava feliz!”
Para a nutrição pré-luta, Roach recomenda uma refeição leve 6 horas antes do combate. Através de estudos com seus atletas, ele descobriu que equilibrar proteínas e carboidratos é essencial: “Alimentávamos o lutador apenas com carboidratos, e ele teria boa resistência, mas sem potência duradouro. Com a proteína, ele teria potência duradoura, mas sem resistência. Estamos convencidos de que você realmente precisa de ambos.”

Hidratação e Recuperação
A hidratação é um aspecto crítico frequentemente manipulado para controle de peso. A desidratação, mesmo leve (1-2% da massa corporal), prejudica tanto o desempenho físico quanto cognitivo.
Roach menciona na entrevista uma estratégia para reidratação rápida: o uso de soro intravenoso. É importante observar que, embora na época da entrevista (antes de 2012) esta prática não fosse regulamentada da mesma forma, atualmente a Agência Mundial Antidoping (WADA) proíbe infusões intravenosas maiores que 100 ml por período de 12 horas, exceto quando necessárias em contextos médicos legítimos.
Para hidratação ideal antes do exercício, recomenda-se:
- Beber 500-600 mL de líquido 2-3 horas antes
- Consumir 200-300 mL adicionais 10-20 minutos antes
- Monitorar peso corporal, cor e gravidade específica da urina como indicadores do estado de hidratação

Suplementação
Quanto a suplementos, Roach mantém uma abordagem simples, focando em multivitamínicos e vitamina C para manter seus lutadores saudáveis durante o treinamento.
Conclusão
O boxe demanda uma abordagem nutricional que equilibre as necessidades energéticas com o desafio de manter-se dentro de uma categoria de peso. Embora a ciência da nutrição esportiva tenha avançado, o boxe ainda mantém algumas práticas tradicionais, e a experiência de treinadores como Freddie Roach mostra que o sucesso depende da adaptação às necessidades individuais de cada atleta.
Como Roach sabiamente conclui: “A dieta é provavelmente mais importante do que muitas pessoas percebem, mas o boxe ainda não está tão avançado quanto outros esportes.” Esta realidade apresenta tanto desafios quanto oportunidades para nutricionistas e preparadores físicos que trabalham com boxeadores profissionais e amadores.
Referências:
Tom, T. (2012). Martial Arts Nutrition: A Precision Guide to Fueling Your Fighting Edge. Tuttle Publishing.
Bagchi, D. & Datta, S. (2019). Extreme and Rare Sports: Performance Demands, Drivers, Functional Foods, and Nutrition. CRC Press.